Voluntariado no Centro Infantil Boldrini

Por Vivian Lopes

Cores mil. Quadros coloridos pelos corredores, vitrais na capela. Os painéis em uma parede logo na entrada trazem pequenas mãos azuis, verdes, vermelhas . São diversos murais com desenhos feitos pelas próprias crianças com um toque final da artista plástica e voluntária no hospital Vera Ferro. Sorriso no rosto, além de um sonoro "Bom dia!" para todos os lados. Acredite se quiser, mas a descrição acima é do hospital infantil para crianças com câncer, o Centro Boldrini, em Campinas-SP.

Construído ao lado da lagoa da Unicamp e em constante expansão graças às doações, o Bairro onde fica o hospital é Barão Geraldo. A região tem as ruas coloridas de verde e amarelo, pela presença de centenas de árvores e canteiros de ipê amarelo. O bairro é afastado da cidade de Campinas e foi fundado na mesma época da universidade.

O dia nem estava tão bonito assim. O sol estava escondido e aquele céu encoberto ameaçava chover; como veio acontecendo desde o início de 2007. Mas nada disso ‘embaçou’ a boa vontade do responsável pelo marketing da casa, que faz questão de ser como seu nome anuncia: Fábio GianGRANDE. Grande também foi a simpatia e a quantidade de informações passadas sobre o Boldrini.

São mais de 30 anos se dedicando a crianças com diversos tipos de câncer. A média de atendimentos pelo Sistema Único de Saúde, o SUS, é de 80% para pacientes de todo o país. A casa trabalha com um déficit de R$400 mil/ ano, sem contar os equipamentos que faltam para completar a radioterapia no local, que chegam a custar mais de R$12 milhões, apesar das doações recebidas.

A doutora Silvia Brandalise, com a ajuda de outros profissionais da área da saúde e oncologia, fundou o Boldrini. Eles carregam sempre um slogan: “Boldrini: Muito além do diagnóstico e do tratamento do câncer”. Por isso, o centro oferece estudo para os pacientes internados não perder o ano escolar, aula de línguas, curso de informática, atividades literárias e artesanais, entre outras atividades.

Depois de conhecer os quatro cantos do centro infantil: a Estação, o Centro de Pesquisas, a lojinha, o almoxarifado, os laboratórios e refeitório; deparo-me com uma área mais colorida e barulhenta que as demais. A brinquedoteca. Circular e cercada por paredes de vidro, ali se vê arvores artificiais, palco de teatro, fantasias mil. Um oásis em pleno deserto. Tudo em miniatura. Livros, revistas, vídeo-game, computador. Casa na árvore, boneca. Carrinho e quebra-cabeça.

Destoando com o restante do local aquele lugar já não parecia - nem de longe - um hospital para crianças com câncer. Gritos alegres no pega-pega, risadas. Correria pra lá e pra cá. Poses para a câmera e flashes. Uma outra dimensão, a da alegria de ser criança, onde os problemas pareciam não ter ingresso nem permissão de entrada.

A garotinha de aparentemente 4 anos e cheia de energia sai dos braços da mãe, ao lado do pai – estão sentados no palco de teatro - e corre para o cabide de fantasias. A primeira coisa que escolhe no meio de dezenas de opções é um chapelão, aqueles de caipira, de palha, com uma renda cor-de-rosa em cima. Traz e a mãe arruma-o na cabeça muito menor da criança, que em seguida volta ao cabide e opta pelo vestido na mesma cor da renda do chapéu. Olha-se no espelho, faz pose; dança e sorri. Parece satisfeita.

Voluntário de que?
Instantes depois aparece Nina Mazzon, uma senhora de estatura mediana, cabelos dourados e armados na altura dos ombros; aparentava cinqüenta e poucos anos, mas ainda estava cheia de energia. Ela é a coordenadora da brinquedoteca. “Hoje vai ser fogo. Nenhum voluntário apareceu ainda. E olha só como isso aqui já está lotado em plena 10 da manhã! Acabamos de abrir!” A frase não chega a ser uma lamentação, pois ao ponto final ela e Cláudia, a outra voluntária, engataram uma gargalhada confirmando o já evidente bom humor.

São quatro no total. Nina e Cláudia mais outras duas são voluntárias-funcionárias. Elas foram contratadas pelo Instituto Ayrton Senna, que patrocinou e mantém todo o projeto. A brinquedoteca chega a receber 120 crianças por dia, entre pacientes, pais e irmãos.

“A idéia de ser voluntário se difunde cada vez mais; isso é fato e já está mais do que comprovado. Cada vez há mais pessoas interessadas em ajudar, ser voluntário. O que ainda não evoluiu foi a noção e o sentimento de responsabilidade deles para com o trabalho realizado e pessoas atendidas”.

Nina é artista plástica, arte-terapeuta e voluntária, mas mantida pelo Instituto Ayrton Senna, que patrocinou toda a brinquedoteca e seu projeto de funcionamento, empréstimo de brinquedos à pacientes internados e a seleção adequada de material, que dá aprendizado às crianças em conjunto com a brincadeira.

Apesar de ilustrar e denunciar um lado extremo da realidade do voluntariado no Brasil, o filme nacional “Quanto vale ou é por peso”, de Sérgio Bianchi, vai direto ao ponto: Você quer ajudar a quem? O seu ego? Muitas vezes "lance'' também pode ser de se ganhar dinheiro com o marketing social, superfaturamentos, etc. Enquanto o signficado de ser voluntário sincero é querer realmente levar amor e compreensão a quem precisa.

Um exemplo que vêm mostrando sériedade é a Brinquedoteca e os demais trabalhos sociais do Boldrini. Pela demanda, o local PRECISA de pelo menos dois voluntários por dia para ajudar na organização, atenção às crianças, higienização, empréstimos e devoluções de brinquedos. “Não é só chegar lá e fazer o que quiser. A necessidade pede uma responsabilidade”, afirma Juan Samur San Martin, 39 anos, educador físico e voluntário no hospital. Ele se sente realmente um colaborador do Boldrini.

Antes de começar a ter contato com as crianças, ele recebeu uma espécie de treinamento, após as entrevistas, que ele compara com a seleção que é feita para uma vaga de emprego. Recebe instruções de como deve ser o comportamento e o que não falar. “Por exemplo, você não vai chegar a uma criança que já está sem os cabelos, por causa da radioterapia e perguntar se está tudo bem. Só se fala ‘oi’ e já leva a criança para a brincadeira, é por isso que ela está ali”, conta Juan. “Também não se usa a palavra ‘doente’, prefere-se paciente”, avisa.

Mas nem tudo são flores e cores. Há também pacientes que não aceitam seu estado e levam esse sentimento para quem muitas vezes só quer ajudar. “Já vi muito comportamento agressivo, principalmente daqueles que vêm de famílias menos favorecidas economicamente. Elas também podem sentir muito enjôo e mal-estar, por conta do tratamento que se está recebendo”. “Por isso é preciso ter paciência e compreensão em dobro!”, alerta.

Paloma
O relógio marca quatro da tarde em ponto. O clima da tarde desta segunda, final de janeiro, já é de volta às aulas. Poucas crianças e parentes passaram pela brinquedoteca. Apenas 13 nomes foram anotados no relatório de Tânia Regina Vieira, mãe de duas jovens também voluntárias. Ela está há mais de três anos no Boldrini. “Adoro isso aqui! Pra mim a segunda a tarde é sagrada, nunca marco nada, nem médico. Sinto um compromisso em ajudar e sinto prazer nisso”, desabafa.

Apesar da hora, a pequena Paloma não se intimida. Entra no espaço a passos largos e firmes. Com seus ‘quase seis anos’, como ela mesma disse, ainda quer brincar. Pega na estante alta, com a ajuda de uma cadeira, uma caixa cor-de-rosa. É um quebra-cabeça da famosa – entre as crianças – Hello Kitty, personagem infantil adepta ao rosa. A jovem acabava de voltar do banco de sangue e disse que não veio antes porque “tava tirando sanguinho”. Ela traz na pequena mão esquerda uma agulha com parte do tratamento, que fica presa com algumas faixas de esparadrapos.

“Vou montar esse aqui”. Quebra-cabeça é um brinquedo simples para uma criança com a idade dela, tirando um detalhe: Paloma escolheu um de 500 peças!! Sem se preocupar com qualquer um a sua volta ela abre e vira a caixa de cabeça para baixo na mesa, onde todas as minúsculas peças do jogo se amontoaram rapidamente em uma pequena mesa redonda azul, com cadeiras idem.

A aproximação da voluntária a estimulou. “Você quer ajuda Paloma? Esse é dos grandes”, pergunta Tânia. De olhos pretos e firmes, a menina começa a desvirar cada peça como se tivesse todo tempo do mundo com uma segurança inacreditável. Cabelos castanho-claro, finos e lisos, pele levemente morena, quase bronzeada e uma faixa cor-de-rosa claro no cabelo. A menina usava ainda chinelos cor de Hello Kitty. “Eu sei montar quebra-cabeça! Sei porque a minha mãe me ensinou! Mas pode brincar junto, se quiser. Eu deixo”, responde toda orgulhosa de si mesma.

A brincadeira sempre tem vez. Nem mesmo a agulha na mão atrapalhou Paloma no brincar. E Tânia seguia seu trabalho de assistência com a pequena. A tarefa parece, mas não é tão fácil. O relógio batia 4:30 da tarde. Hora de a brinquedoteca encerrar suas atividades do dia. “Mas PORQUE já vai fechar??”. “Precisamos arrumar as coisas e ir para casa, eu também tenho uma filha. Venha mais cedo da próxima vez que te ajudo a montar”. Explicou Tânia em um tom misto de doçura e firmeza. “Vamos guardar então!”, acabou concordando a menina.

Quem disse que essa seria uma despedida? A garotinha nem pensava em ir embora e provou que sabia muito bem como lidar com a situação. Caminhando em direção contrária à saída dispara: “Tia, o que é aquilo? Posso sentar no cavalo? Olhaaa toca musiquinhaa!!” E quando Tânia percebeu, já estava Paloma novamente brincando na sala da coordenação, com os brinquedos usados para empréstimo aos pacientes internados. Era hora de uma ação mais enfática. “Quer um caderno de colorir? Pra pintar em CASA, quer? Te dou também os lápis coloridos”. E ao entregar, Nina acompanhou-a até a porta, ganhou um beijo e acenou. Mas o aceno seguinte, instantes depois, veio na porta de vidro ao lado de fora, já perto da saída do hospital, que seria o definitivo. Vai pela sombra Paloma!!

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